terça-feira, 18 de outubro de 2011

Ilha

Ilha minha e do meu povo,
como me confortas e me ouves,
tudo o que temos é só nosso,
tudo o que é nosso, sempre houve.

E tudo o que já houve, há de haver,
se ainda aqui tivermos para o querer,
enquanto a tua praia me acolher,
cá estarei para me aquecer.

E cada passo meu se torna lento,
na lentidão que o tempo traz lentamente...
Fica só para mim este suave acento,
onde imóvel e arrepiado contemplo
este pôr-do-sol, eternamente...


André Ortega
18/10/2011


Nota: Baseado na música - http://www.youtube.com/watch?v=5AovNqx-czI

domingo, 2 de outubro de 2011

Paralelo

Para ser terra, tem de ser mar,
para ser quente, tem de ser fogo,
para haver ódio, tem de se amar,
para haver vida, tem de haver folgo...

Para haver belo, tem de haver feio,
tem de haver o falso para haver honesto,
tens de estar vazio para ficares cheio,
tem de haver palavras e tem de haver gestos.

Tem de existir o mundo, tem de existir gente,
para existir a luz, tem de haver o breu.
Tem de existir caminho para olhar em frente,
tens de existir tu para existir eu.


André Ortega
1/10/2011

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Pateta

O mundo apenas conhece a superfície,
as gargalhadas altas da carcaça.
Mas como em qualquer planície,
existe um abismo profundo de desgraça.

E sendo eu dos mais patetas,
serei eu dos mais sós?
Vejo em mim tantas metas,
que receio que nenhuma fique completa...
a não ser de vazio e pó...

E eu grito no plano de fundo,
e pateto à frente jubilando.
De tanto nadar quase me afundo,
e para fugir a esse polvo profundo
eu já nem sei por onde ando.


André Ortega
10/09/2011

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Corrida

Perseguir o que nunca apanho,
tentar ter o que não tenho,
mesmo sem eu querer.

Há algo que me força e empurra
a correr a estrada mais escura,
apenas pelo prazer de o fazer.

E o meu pulmão vai aguentando,
o ritmo cardíaco vai aumentando,
mas parar, eu já não posso...

Por isso, continuo na cavalgada,
deste caminho sem chegada
que na minha frente deitou-se...


André Ortega
2/09/2011

sábado, 6 de agosto de 2011

Perene Busca

Imagina um dia eterno de sol,
o fundo azul sem fim aparente.
Numa direcção aponta o girassol,
num mundo amarelo e quente.

Cada cidadão vive sorridente.
Nada abala esse amor celestial.
Naqueles peitos fluem nascentes
cheias da tal frescura jovial.

E para mim, que lá vivo, nada me é especial...
Nada me choca e tudo me contorna,
seja a água que nunca se entorna,
ou o copo que teima em não tombar...
Que sentimento estranho e marginal!

Baptizo-o então...
Como o elemento que me afasta da ilusão:
Tristeza.
E quão bizarro é dar um nome destes,
e retirar dele tanta beleza...

Assim já reconheço o que sinto,
e respiro mais profundamente,
sei que pelo menos não me minto
mesmo que a dor me afugente.

Voltando ao que em mim existe,
Seja ingénua mentira ou infame verdade,
mantenho algo que ainda persiste:
É que sei, que num mundo de repleta felicidade,
há quem procure por um dia triste.


André Ortega
6/08/2011

quarta-feira, 13 de julho de 2011

Preguiça

Areias-me os pés,
movediça, te alimentas
dos meus sonhos e descrenças...

Queres-me a mim, invés
de tudo o que poderei ser
sem a tua maldita presença...

E, como essa tua influência
me deixa desequilibradamente enfadado,
com o prazer de nada ter de fazer...

Como me deixo levar por essa essência,
que nunca é essencial para o afortunado,
que tem a celestial sorte de não te ter...

Mas... que posso fazer?
Se essas presas são inquebráveis,
contra a força dos mortais.

Resposta minha é crescer...
Tornar os meus membros maleáveis,
tornar-te o comum dos banais.


André Ortega
08/07/2011

sábado, 2 de julho de 2011

Calabouço

Porque vejo o que não quero?
Porque me deixo consumir?
Quero desvendar o que é mistério,
quero num nevoeiro me diluir.

Quero ser procurado,
e sentir o prazer de não ser achado,
como um enigma se deve sentir
por nunca ser solucionado.

Quero ser um fantasma
mas quero que de mim se lembrem.
O meu corpo continuará no calabouço,
preso às correntes que eu próprio criei.


André Ortega
01/07/2011

quarta-feira, 25 de maio de 2011

A Forca

Nada fiz...
Esse é o meu julgamento.
Tudo quis,
mas foi apenas em pensamento.

Enlaço a minha própria corda,
é esse o meu fado, a minha sorte...
Só assim a minha alma acorda:
Se a sacudir com a morte.

O meu pescoço marcado assa,
mas é pouco sofrimento para a consciência.
Ela apenas quer algo que não passa:
Quer a minha própria displicência.

André Ortega

23/05/2011

terça-feira, 3 de maio de 2011

Não Sei

Mente minha, mente minha…
Cansada andas das tribulações.
Meu corpo pelo mesmo caminha,
saturado de passeios e procissões.

Não sinto dor, nem sei se sinto.
Dormência da vontade que entristece.
Sem cores, não sei se pinto
o bipolar vazio que permanece.

E que sonhos infinitos procrio,
tantas janelas para uma só porta…
E, hoje, não sei se me encho ou esvazio,
desse qualquer nada que me suporta.

Não sei se me encaro
ou se me minto.
Cada palavra a mais me envelhece…

Apenas sei que pagarei caro,
por criar em mim o labirinto,
de quem teve tudo aquilo que não merece.


André Ortega
2/05/2011

segunda-feira, 4 de abril de 2011

Trilho

Apetece-me fugir, correr
sem destino nem estrada.
Passar pelas ruas e perceber,
que nunca me disseram nada.

Quero sumir, desaparecer,
andar perdido na caminhada.
Sentir momentos a perecer,
e outros a nascer pela geada.

Cansado, eu já fiquei, pesado,
vítima da intempérie daquele trilho.
Mas antes ser odiado que mal amado,
por isso seguirei, mesmo carregado
daquilo que mais dói e eu não partilho.


André Ortega
4/04/2011

domingo, 13 de março de 2011

Ri!

Ri! Ri com toda a tua força,
até a respiração te custar!
Para que, a quem te veja ou ouça,
possas tu contaminar.

Ri sem limites, sem medos!
Este é o melhor analgésico.
Cura sofrimentos e enredos,
sem ajuda de revistas ou médicos.

Ri e gargalha em contornos de maluquice,
a correr, sentado ou de pé!
Porque se o mundo todo sorrisse,
então hoje seria bem melhor do que é!

Gargalho estas palavras, incansavelmente
escrevo sem saber o que o que escrevo.
A seriedade é dúbia e mentirosamente,
corrompe sociedades, cépticos e crentes.
Que riam com vontade, a dizer me atrevo!

E corajosos são aqueles,
que riem da sua própria tristeza,
da sua própria solidão.

Verdade só é verdade quando sorri.
Por isso ri, com a única certeza,
de que se não o fizeres, tudo é em vão.


André Ortega
13/03/2011

domingo, 6 de março de 2011

Paciente do Quarto Nº 7

Acordo numa manhã,
ou será tarde? Pouco importa.
No mesmo estado, longe de sã,
e ninguém a entrar pela porta...

Não passo de mais uma,
num quarto de branco infinito.
A solidão é a doença mais dura,
qual tumor, qual amargura...
O coração abranda aflito...

No quarto nº 7, sou paciente,
mas a minha paciência esgotou.
Estou apenas de corpo presente,
pois a alma aproveitou e escapou.

E ao virar a minha cabeça,
olho as nuvens pela janela,
e seja o que for que aconteça,
lembrar-se-ão de mim de certeza.
Nunca as deixei, e contento-me ao vê-las.

Sei que me querem bem,
mas não ficarei bem como queriam.
Já lhes dei nomes, até convém
tratar, quando se tem alguém,
por alcunhas, e dar-lhes o que mereciam.

Vejo que hoje estão amargas,
acinzentaram-se e choram compulsivas.
Não se preocupem amigas amadas:
A minha vida toda foi feita de nadas,
e agora por vós, acaba preenchida...


André Ortega
07/03/2011

sábado, 5 de março de 2011

Poeta é Filósofo

Poeta não é filósofo,
pois não pensa, só transmite
aquilo que absorveu
e a natureza humana omite.

Nos dias de hoje
para pensar é preciso estofo,
vida recheada e bem composta.
A sociedade até cheira a mofo
da mente supérflua e mal disposta.

Não sei se poeta é filósofo,
porque se transmitiu, foi porque pensou...
Esta própria afirmação me confirmou,
que fui eu aquele que se iludiu
na realidade ilusória que me sequestrou...

Mas sei que o meu mundo
é onde só se imagina.
Fecho os meus olhos e viajo
sem querer saber do que se aproxima.

Afinal sim, o poeta é um filósofo!
Afirmo porque realmente o sinto!

E nada mais puro que este momento:
Como sol que ilumina caminho de labirinto,
a verdade sempre se ofusca com o sentimento.


André Ortega
06/03/2011

quinta-feira, 3 de março de 2011

Mendigo

De passagem passam seres vazios,
com a mão no bolso porque temem.
E aquilo que os faz ser tão frios,
está nessa algibeira, doentios
dedos que a si mesmos ferem.

Naquele apertar, naquele papel.
E quem sou eu nesta postura?
Deitado, ensanguentado,
a viver em passeios de sujidade...

E sempre a mim fui fiel...
Apenas nunca estive a altura
desse ar sem orgulho, pois foi vendido,
prefiro ficar no entulho, fortalecido
contra tal fútil e mediocridade...

E contempla bem o meu olhar,
pois sei que te enojo e te repugno...
Mas mais repugnante é ver que o teu nada tem.
Preenchido por nada, esse olhar é turvo,
sem amor nem vida... sem ninguém.


André Ortega
03/03/2011

domingo, 20 de fevereiro de 2011

O Cubo Mágico

Olho para ti como quem olha um mundo,
complexo, efémero e encardido.
Sabendo lá que eras diamante em bruto,
num lago imundo escondido.

Gostava de te resolver sem te questionar,
mas sem questões, os problemas se multiplicam.
E só a mim mesmo me posso explicar
as soluções que os mesmos justificam.

E eu podia ser mais, mas não sou. Chiça!
Dor no peito de quem quis e não mudou.
O pior inimigo de um génio é a preguiça,
que leva ao Hades a vida de quem criou.


André Ortega
31/01/2011



(Escrito para a curta-metragem "O Cubo Mágico", escrita por... mim xD)