segunda-feira, 22 de novembro de 2021

O Pântano



Somos o lago transformado Pântano. Aqui as águas não se movem. Mestres do aprisionamento do qual somos juízes e réus. Ser Terra e ansiar céus, desejando um plano que não nos pertence. O que nos pertence afinal? O lago do enganado que retém a água contra a sua vontade. Apodrece a pureza dos pensamentos, os peixes de escamas esbeltas asfixiam na poluição que se acumula. Não há um fim da linha, alinho toxinas que se aninham. Que sejam as linhas que por aqui descrevo. Antes que o meu coração seja lama de uma lágrima que não se derrama, uma palavra nunca dita presa afiada na garganta, maldita, a bola histérica que nunca encesta. De segunda a sexta talvez consiga. O sábado duvida, mas fodidos são os domingos. Antes de tudo e depois de tudo. Movediça-se a lama da melancolia e as mãos subterrâneas da vontade não nos deixam filtrar as águas. Não nos deixemos ser movediços. Que se evaporem as certezas, quem precisa do que não existe? Que se abrace a beleza das chuvas ambíguas que purificam e as lágrimas que clarificam qualquer depressão de água.

Somos o lago, enganados a ser Pântano. O Pântano exige negação. O Pântano alimenta-se de sinas. Deseja-nos só para ele, imutáveis. Águas paradas. Todavia, águas saudáveis fluem, nascem e desaguam. E aqui desaguam as minhas águas, para que outras nasçam, a montante, mais claras e cristalinas.

O Pântano morre à fome quando a sina se torna nossa.


Escrito por mim, André Pereira dos Santos

segunda-feira, 15 de novembro de 2021

Separação


    Havia uma alma que deixava os cabelos para trás. A ponta do vestido eternamente para trás. Caminhava para um oceano sem horizonte. Ela era a praia e consumiu-o. Mais atrás, um coração apalpava-se. Verificava se batia. Aumentara de tamanho. Ou então foi a mão dele que diminuiu. A palma suada amiúde, amiudava-se. O coração palpitava turbulento, epicentro de tremores que racham superfícies, refazem planícies, montanham-nas. Ela já era praia e oceano, mas deixou os cabelos para trás. O cheiro da lavanda da saudade. Só o passado, pensou ele, só o passado é verdade. Que futuro pode ser depois do fim? Como desinflamar o coração do tumor do temor? Das respirações solavancadas? Das lombas da existência?

    Havia uma alma que passou por ele, ficou e foi. Ao ir, nunca indo, deixou os cabelos para trás. O vestido fez-se praia, fez-se oceano, fez-se horizonte. Levou o horizonte consigo. Tornou-se o limite do olhar, o limite do fôlego. O coração apalpava-se, sem certezas se batia. Massaja o músculo cardíaco, mas a mão não o preenche. Ele espera pelo tempo, mas o tempo segreda-lhe que está atrasado. Que só volta na próxima eternidade. Donde chegam estas lágrimas? Esta árvore que me ampara como o colo materno? Que as gotas que escorrem a alimentem para criarem um novo horizonte. Longe do passado, sem nunca o esquecer.


Escrito por mim, André Pereira dos Santos, baseado na pintura "Separação" de Edvard Munch

domingo, 14 de novembro de 2021

Respiro Fundo e (Re)Começo

    

    Respiro fundo e começo. Quantos textos já comecei assim? Para verem as vezes que precisei de respirar fundo e começar, e de me lembrar que tenho de voltar a fazê-lo. Respira fundo e começa. Depois, não se nota que começaste. É tudo um sonho contíguo. A vida anseia ser sonho e teme ser pesadelo. Está tudo em nós, é isso que assusta. Sou um anunciador da continuidade, o guarda da ponte que deixa tudo passar. Quanto menos cancelas, melhor. É polémico, eu sei. Há coisas que se devem deixar enterradas, no seu lugar de desexistência que existe. Eu sei, sei e concordo. Contudo, visita o seu jazigo, entende o porquê do seu epitáfio. O que dorme, selado, e o que deve ficar a dormir. Deixam-se flores e está-se melhor assim. 

    Respiro fundo, inoculo a minha imperfeição. Respira-se melhor quando se aceita, como água do mar ou óleo de eucalipto. Insisto nos dias cinzentos, a carregar na cinza, invés de a disfarçar com cores alegres. Que seria do meu sorriso sem a sua tristeza? Um fruto sem sumo, do livro, um resumo, um tudo que se parcializa. E somos mais que a soma das partes, somos a cola que mal as fixa juntas. 

    O amanhã raramente traz garantias com nexo, somos narrativas que se acrescentam, enredos de medos, de meios e processos. Fecho os olhos para ver se abraço o vazio e de mim me esqueço. E aí, respiro fundo e começo.


Escrito por mim, André Pereira dos Santos, há uns dias, como quem regressa para recomeçar.